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17/06/2005
Princípio da insignificância no âmbito federal:
débitos até R$ 10.000,00

Luiz Flávio Gomes da Universidade Complutense de Madri

A CLAUS ROXIN se deve a reintrodução do velho princípio da insignificância no Direito Penal, desde a década de 60 do milênio passado. Pequenas ofensas ao bem jurídico não justificam a incidência do Direito Penal, que se mostra desproporcionado quando castiga fatos de mínima importância (furto de uma folha de papel, de uma cebola, de duas melancias etc.).

Dogmaticamente falando, já não se discute que o princípio da insignificância (ou da bagatela, como lhe denominam os italianos assim como TIEDEMANN) exclui a tipicidade, mais precisamente a tipicidade material, consoante recente decisão do STF (HC 84.412-0/SP, CELSO DE MELLO).

Os penalistas clássicos não admitiam a insignificância como causa de exclusão de tipicidade por duas razões: (a) porque não conheciam a relevância dos princípios (especialmente os de política criminal) no Direito Penal; (b) porque concebiam a tipicidade exclusivamente em seu sentido formal (conduta, resultado naturalístico nos crimes matérias, nexo de causalidade e relação de tipicidade). Ainda é uma grande novidade, para muitos professores e estudantes, a divisão da tipicidade penal em formal e material. De qualquer modo, partindo-se de uma visão constitucionalista da teoria do delito (cf. GOMES, Luiz Flávio. Teoria constitucionalista do delito, São Paulo: RT, 2004), esse desdobramento resulta absolutamente necessário.

Em suma, já praticamente ninguém nega a relevância do princípio da insignificância (ou da bagatela) no Direito Penal. Não há dúvida que é um princípio de política criminal, mas adotada e aplicando diariamente pelos juízes e tribunais. Dificuldade ainda existe no que concerne à sua exata configuração (basta a insignificância da conduta ou do resultado? Ou ainda devemos também considerar características pessoais do agente? Qual seria a medida precisa para se dizer que um fato é insignificante?)

A jurisprudência brasileira, em cada caso concreto, vem se posicionando (e, em geral, de modo absolutamente razoável). Para que um fato seja reconhecido como insignificante, muitos fatores devem concorrer.

No âmbito dos tribunais ou contribuições sociais, por exemplo (crimes tributários, de descaminho e previdenciários), o critério central reside no valor mínimo exigido para que se proceda uma execução fiscal (STJ, Resp 573.398, Rel. Min. FELIX FISCHER, J. 02.09.2004). Particularmente no que concerne ao âmbito tributário federal, no princípio, consolidou-se o entendimento no sentido de se aplicar a insignificância para possibilitar o tratamento da ação penal em relação aos impostos inferiores a R$ 1.000,00 (cf. art. 1° da Lei nº 9.469/97 e ainda art. 20 da MP 1.542-28/97 - STJ, HC 34.281/RS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, J. 08.06.2004). Com a entrada em vigor da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, esse valor foi alterado para R$ 2.500,00.

Até esse montante entende a jurisprudência que não se trata de valor lesivo (ofensivo) de modo relevante aos cofres públicos. Formalmente trata-se de conduta típica, mas materialmente não está presente o requisito do resultado jurídico relevante, que consiste, no caso, no interesse fiscal da Administração Pública (STJ, HC 34.281/RS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, J. 08.06.2004).

A novidade na matéria, agora, reside na Portaria nº 49, de 1° de abril de 2004, do Ministro da Fazenda, que autoriza (a) a não-inscrição como dívida ativa da União de débitos com a Fazenda Nacional de valor até R$ 1.000,00 e (b) o não-ajuizamento das execuções fiscais de débitos até R$ 10.000,00. Ora, se esse último não é relevante para fins fiscais, com muito maior razão não o será para fins penais. Débitos fiscais com a Fazenda Pública da União até R$ 10.000,00, em suma, devem ser considerados penalmente irrelevantes. Se sequer é o caso de execução fiscal, com maior razão não deve ter incidência o Direito Penal.

(Fonte: Instituto de Ensino Prof. Luiz Flávio Gomes)

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